"No ventre da mãe a vida era uma riqueza infinita, sem falar nos sons e nos ruídos, para criança todas as coisas estavam em constante movimento, se a mãe se ergue e anda, se ela virar, inclinar-se ou erguer-se na ponta dos pés, se ela debulhar legumes ou usar a vassoura, quantas ondas, quantas sensações para a criança. Se a mãe for descansar pegar um livro ou sentar-se ou se deitar e adormecer sua respiração será sempre a mesma e o marulho calmo - A ressaca - continuará a embalar o bebê"
Leboyer Frederick SHANTALA
O ambiente evolutivo do bebê humano durante a maior parte da história humana dos nossos ancestrais pode ser representado como a de pequenos grupos de caçadores, coletores que se moviam em constante ameaça de predadores (SCHON, 2007).
Desde os primórdios da humanidade os bebês são carregados junto ao corpo da mãe. De acordo com Gonzáles (2005) os macacos recém-nascidos agarram-se imediatamente às mães após o nascimento, com exceção do chimpanzé e dos gorilas que durante as primeiras semanas é a mãe que tem que agarrá-los. Não carregar o bebê junto ao corpo para onde quer que fosse, representava uma grande ameaça a espécie, pois o mesmo ficaria exposto aos predadores da região.
O transporte infantil é comum em primatas e pode ser considerada a segunda atividade mais dispendiosa relacionada à reprodução, após a lactação. Estudos avaliaram os custos do transporte infantil em termos de massa corporal e redução na capacidade de locomoção e apresentaram resultados significativos em termos de comprometimento da mobilidade (CAPEROS, MORCILLO, et al., 2012).
Evidências de composição do leite materno demonstraram que o leite materno do ser humano tem teor mais baixo de gordura e maior quantidade de hidratos de carbono enquanto o de outros animais mamíferos tem alto teor de gordura e proteína no leite. Esta condição sugere que o bebê humano deve ser alimentado mais vezes ao dia do que outros mamíferos (TILDEN e OFTEDAL, 1997), corroborando com a probabilidade de a população hominídea ter dispendido certa quantidade de energia transportando seus bebês, já que estes estavam bastante adaptados a extenso contato materno e amamentação frequente. Esse modelo humano moderno que se desloca a maiores distâncias é geralmente aceito como tendo ocorrido no período Homo erectus (ANTÓN, 2003).
O custo de transportar uma criança nos braços teria sido significativo o suficiente para compensar o desenvolvimento de artefatos para o transporte mais rápido e eficiente após o advento do bipedalismo (WALL-SCHEFFLER, GEIGER e STEUDEL, 2007). Estudos sugerem que os grupos de caçadores-coletores modernos usavam vários métodos para levar seus filhos, mas mais comumente utilizavam artefatos para transporte de crianças que pudessem ser movidos para locais diferentes no tronco do adulto (WALL-SCHEFFLER, GEIGER e STEUDEL, 2007) dentro ou fora da roupa (ROSENBERG,
GOLINKOFF e ZOSH, 2004). Entretanto é difícil fazer inferências diretas quanto ao surgimento dos artefatos para transporte infantil antes de 15 mil anos atrás pela escassez de registros arqueológicos do artefato, demonstrando que estas ferramentas não resistiram facilmente a períodos de exposição, o que aumenta a possibilidade de terem sido confeccionados com materiais naturais disponíveis na região e de fácil decomposição com o passar dos anos.
Unindo o instinto de preservação e a necessidade do dia a dia sugere-se que cada tribo tenha desenvolvido um carregador de bebê de acordo com a sua cultura e seu contexto social. Utilizando matérias primas disponíveis na região agregaram valores afetivos e simbólicos em forma de cores, texturas, penas, sementes, cestaria, pinturas, entre outras técnicas (CHATAIGNIER, 2006).
Uso em Diversas Culturas Cada país, região do mundo tem um carregador de bebê tradicional projetado para atender às suas necessidades específicas, ou seja, clima quente ou frio, tipo de trabalho que as mães realizam, cultural, ou tradicional. Com a intenção de aprofundar a discussão, serão demonstradas agora algumas das variações dos carregadores de acordo com cada cultura.
Ani Doherty carrega seu filho nas costas, em 1899.
Segundo Blois (2005), um homem chamado Rayner Garner inventou o sling de argola com dois anéis e bordas acolchoadas, para que sua esposa Sachi usasse com seu bebê. Seu design se tornou bastante popular e útil até que em 1985um médico chamado Dr. William Sears comprouos direitos e continuou a fazer e promover slings. O modelo Ring Sling ainda existe hoje com muitas variações, é feito por diversas marcas e possui diferentes tipos.
Rayner Garner, inventor do sling de argola, 1981.
A seguir alguns modelos utilizados em diferentes culturas:
Cultura/ Região: Brasil, Indígena.
Tipo de carregador: Tipoia.
Posição principal: Bebê na lateral do corpo do adulto, na vertical.
Características: Feitos de materiais rústicos, tecelagem.
Fonte: Mãe Nutriz, 2013
Cultura/ Região: México.
Tipo de carregador: Rebozo/Chal
Posição principal: Bebê nas costas, na vertical.
Características: Tecido em formato quadrado, amarrado sobre os ombros do adulto.
Fonte: Sling Babies, 2017
Cultura/ Região: Peru.
Tipo de carregador: Manta Posição principal: Bebê nas costas, na vertical.
Características: Tecido que fica sobre os ombros do adulto, como uma capa.
Fonte: Keyword Pictures, 2014
Cultura/ Região: Guatemala.
Tipo de carregador: Parraje
Posição principal: Bebê nas costas, na vertical.
Características: Semelhante ao Rebozo, tecido que fica sobre os ombros do adulto.
Fonte: Vila Mulher, 2014
Cultura/ Região: Canadá, Alasca
Tipo de carregador: Amautik.
Posição principal: Bebê nas costas, na vertical.
Características: Jaqueta grossa tipo Parka, com capuz para colocar o bebê.
Fonte: Sling Babies, 2007
Cultura/ Região: Papua, Nova Guiné.
Tipo de carregador: Bilum.
Posição principal: Bebê nas costas, deitado na horizontal.
Características: É uma espécie de sacola tipo rede com trama aberta, apoiada na testa do adulto.
Fonte: Frederic Lagrange, 2017
Cultura/ Região: Ásia.
Tipo de carregador: Cestaria Posição principal: Bebê dentro do cesto, nas costas, na vertical.
Características: Cesto com alças.
Fonte: Bebemon, 2012
Cultura/ Região: Reino Unido.
Tipo de carregador: Siol Fagu.
Posição principal: Bebê nas costas e na frente do adulto, na vertical.
Características: Mantas grandes.
Fonte: Bebemon, 2012
Cultura/ Região: África, Brasil.
Tipo de carregador: Khanga
Posição principal: Bebê nas costas, na vertical.
Características: Peça de tecido semelhante a uma canga amarrado ao redor do dorso do adulto.
Fonte: SMAYA, 2014
Cultura/ Região: Maori.
Tipo de carregador: Pikau Posição principal: Bebê nas costas, na vertical.
Características: Tecido grosso, como uma capa, onde o bebê é colocado no alto das costas do adulto.
Fonte: Sling Babies, 2007
Cultura/ Região: Navajos.
Tipo de carregador: Cradleboard
Posição principal: Bebê nas costas do adulto, na vertical.
Características: Prancha de madeira onde os bebês são colocados cobertos por tecidos e amarrados por cordões.
Fonte: Tribal Art Brokers, 2014
Cultura/ Região: Indonésia.
Tipo de carregador: Selendang
Posição principal: Bebê na lateral do corpo do adulto, na vertical.
Características: Tecido tipo lenço que passa na diagonal do corpo do adulto, apoiado em um ombro só, como uma tipoia.
Fonte: Mother Needs , 2004
Cultura/ Região: Coréia.
Tipo de carregador: Podaegi
Posição principal: Bebê nas costas e na frente do adulto, na vertical.
Características: Carregador de alças longas transpassadas sobre o bebê, semelhante a um avental.
Fonte: Lifetime Family - Wellness Center, 2010
Cultura/ Região: Ásia.
Tipo de carregador: Mei-Tai, Hmong, Bei (China), Onbuhimo (Japão).
Posição principal: Bebê nas costas e na frente do adulto, na vertical.
Características: Carregador semelhante a uma mochila, de alças longas que se amarram no corpo do adulto.
Fonte: Pregnancy & Baby, 2008
Cultura/ Região: Europa, Brasil.
Tipo de carregador: Pouch Sling.
Posição principal: Bebê na lateral do corpo do adulto, na vertical ou deitado na horizontal. Características: Funciona como uma tipoia, apoiada em um ombro só.
Fonte: Growing your Baby, 2010
Cultura/ Região: EUA, Brasil.
Tipo de carregador: Ring Sling, Sling de Argolas.
Posição principal: Mais comumente utilizado na frente e na lateral do corpo do adulto, bebê na vertical ou na horizontal.
Características: Semelhante a uma tipoia, passando em um ombro só, com argolas que permitem ajustar o tamanho.
Fonte: Mundo das Tribos, 2012
Cultura/ Região: EUA, Brasil.
Tipo de carregador: Soft Structured Carrier, Mochila Ergonômica.
Posição principal: Bebê na frente ou nas costas do adulto, na vertical.
Características: Mochila estruturada feita em tecido resistente, com acolchoado nas alças e ajuste através de fivelas.
Fonte: Kiddies 24, 2013
Cultura/ Região: Europa, Brasil.
Tipo de carregador: Wrap Sling, Echarpe de portage.
Posição principal: Permite diversas posições, mas é mais comumente utilizado com o bebê na frente ou nas costas, na vertical.
Características: Tecido de aproximadamente 5 metros por 80 cm de largura, amarrado no corpo do adulto.
Fonte: Eco Parents, 2004
Cultura/ Região: Brasil.
Tipo de carregador: CamieSling.
Posição principal: Permite diversas posições, mas é mais comumente utilizado com o bebê na frente ou nas costas, na vertical.
Características: Feito de Malha de Algodão, losango nas costas (como se fosse um top), faixas que se cruzam na frente do bebê, amarrado no corpo do adulto.
É possível observar nas culturas apresentadas anteriormente, a prevalência do bebê na posição vertical. A posição na frente do corpo do cuidador é uma escolha comum quando se transporta o bebê nos braços ou durante a amamentação (SCHON, 2007). Carregadores de bebê onde a posição principal da criança é na frente ou na lateral do corpo do adulto são mais comuns na sociedade atual (BERNHARD e BERNHARD, 1996). Outras culturas também permanecem transportando o bebê nos braços, sem nenhum artefato auxiliar, deste modo é mais difícil para o adulto realizar outra tarefa, já que os braços tem que apoiar e estabilizar o bebê (SINGH, 2009).
Existem diversas maneiras de se transportar um bebê, diferentes épocas e culturas. A forma como os pais transportam o bebê e interagem com ele dependem da história única de cada família, composta por elementos íntimos, ideais e modelos (RIAND, PLARD e MORO, 2008). De acordo com Vygotsky (1930), as abordagens da atividade mediada pelos artefatos estão centradas no uso humano das ferramentas culturais. Este é um fato central que transforma a relação do homem com o mundo, suas funções psicológicas e condiciona o seu desenvolvimento. As ferramentas que provém da cultura são artefatos que intermediam as ações e modificam a forma como o sujeito realiza a atividade. São objetos de transformação e desenvolvimento nas comunidades, tanto na vida cotidiana quanto profissional (FOLCHER e RABARDEL, 2007).
Tais reflexões nos levam a compreender a natureza e as transformações das tarefas e atividades no uso dos artefatos, e nas relações que se estabelecem no desenvolvimento dos indivíduos através dos processos de apropriação (FOLCHER e RABARDEL, 2007). De acordo com Antunes (2000), ao modificar a natureza o homem modifica a si mesmo numa relação dialética, gerando um processo histórico, que o distingue dos demais animais, que apenas se adaptam e respondem instintivamente ao meio. A existência humana é criada e recriada pela ação consciente do trabalho e possui certa autonomia com relação à natureza podendo projetar-se, criar alternativas e tomar decisões.
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