A origem dos carregadores de bebĂȘs
- Cami Danieletto
- 23 de mar. de 2020
- 7 min de leitura
Atualizado: 22 de abr. de 2020
"No ventre da mĂŁe a vida era uma riqueza infinita, sem falar nos sons e nos ruĂdos, para criança todas as coisas estavam em constante movimento, se a mĂŁe se ergue e anda, se ela virar, inclinar-se ou erguer-se na ponta dos pĂ©s, se ela debulhar legumes ou usar a vassoura, quantas ondas, quantas sensaçÔes para a criança. Se a mĂŁe for descansar pegar um livro ou sentar-se ou se deitar e adormecer sua respiração serĂĄ sempre a mesma e o marulho calmo - A ressaca - continuarĂĄ a embalar o bebĂȘ"
Leboyer Frederick SHANTALA
O ambiente evolutivo do bebĂȘ humano durante a maior parte da histĂłria humana dos nossos ancestrais pode ser representado como a de pequenos grupos de caçadores, coletores que se moviam em constante ameaça de predadores (SCHON, 2007).
Desde os primĂłrdios da humanidade os bebĂȘs sĂŁo carregados junto ao corpo da mĂŁe. De acordo com GonzĂĄles (2005) os macacos recĂ©m-nascidos agarram-se imediatamente Ă s mĂŁes apĂłs o nascimento, com exceção do chimpanzĂ© e dos gorilas que durante as primeiras semanas Ă© a mĂŁe que tem que agarrĂĄ-los. NĂŁo carregar o bebĂȘ junto ao corpo para onde quer que fosse, representava uma grande ameaça a espĂ©cie, pois o mesmo ficaria exposto aos predadores da regiĂŁo.
O transporte infantil é comum em primatas e pode ser considerada a segunda atividade mais dispendiosa relacionada à reprodução, após a lactação. Estudos avaliaram os custos do transporte infantil em termos de massa corporal e redução na capacidade de locomoção e apresentaram resultados significativos em termos de comprometimento da mobilidade (CAPEROS, MORCILLO, et al., 2012).
EvidĂȘncias de composição do leite materno demonstraram que o leite materno do ser humano tem teor mais baixo de gordura e maior quantidade de hidratos de carbono enquanto o de outros animais mamĂferos tem alto teor de gordura e proteĂna no leite. Esta condição sugere que o bebĂȘ humano deve ser alimentado mais vezes ao dia do que outros mamĂferos (TILDEN e OFTEDAL, 1997), corroborando com a probabilidade de a população hominĂdea ter dispendido certa quantidade de energia transportando seus bebĂȘs, jĂĄ que estes estavam bastante adaptados a extenso contato materno e amamentação frequente. Esse modelo humano moderno que se desloca a maiores distĂąncias Ă© geralmente aceito como tendo ocorrido no perĂodo Homo erectus (ANTĂN, 2003).
O custo de transportar uma criança nos braços teria sido significativo o suficiente para compensar o desenvolvimento de artefatos para o transporte mais råpido e eficiente após o advento do bipedalismo (WALL-SCHEFFLER, GEIGER e STEUDEL, 2007). Estudos sugerem que os grupos de caçadores-coletores modernos usavam vårios métodos para levar seus filhos, mas mais comumente utilizavam artefatos para transporte de crianças que pudessem ser movidos para locais diferentes no tronco do adulto (WALL-SCHEFFLER, GEIGER e STEUDEL, 2007) dentro ou fora da roupa (ROSENBERG,
GOLINKOFF e ZOSH, 2004). Entretanto Ă© difĂcil fazer inferĂȘncias diretas quanto ao surgimento dos artefatos para transporte infantil antes de 15 mil anos atrĂĄs pela escassez de registros arqueolĂłgicos do artefato, demonstrando que estas ferramentas nĂŁo resistiram facilmente a perĂodos de exposição, o que aumenta a possibilidade de terem sido confeccionados com materiais naturais disponĂveis na regiĂŁo e de fĂĄcil decomposição com o passar dos anos.
Unindo o instinto de preservação e a necessidade do dia a dia sugere-se que cada tribo tenha desenvolvido um carregador de bebĂȘ de acordo com a sua cultura e seu contexto social. Utilizando matĂ©rias primas disponĂveis na regiĂŁo agregaram valores afetivos e simbĂłlicos em forma de cores, texturas, penas, sementes, cestaria, pinturas, entre outras tĂ©cnicas (CHATAIGNIER, 2006).
Uso em Diversas Culturas Cada paĂs, regiĂŁo do mundo tem um carregador de bebĂȘ tradicional projetado para atender Ă s suas necessidades especĂficas, ou seja, clima quente ou frio, tipo de trabalho que as mĂŁes realizam, cultural, ou tradicional. Com a intenção de aprofundar a discussĂŁo, serĂŁo demonstradas agora algumas das variaçÔes dos carregadores de acordo com cada cultura.

Ani Doherty carrega seu filho nas costas, em 1899.
Segundo Blois (2005), um homem chamado Rayner Garner inventou o sling de argola com dois anĂ©is e bordas acolchoadas, para que sua esposa Sachi usasse com seu bebĂȘ. Seu design se tornou bastante popular e Ăștil atĂ© que em 1985um mĂ©dico chamado Dr. William Sears comprouos direitos e continuou a fazer e promover slings. O modelo Ring Sling ainda existe hoje com muitas variaçÔes, Ă© feito por diversas marcas e possui diferentes tipos.

Rayner Garner, inventor do sling de argola, 1981.
A seguir alguns modelos utilizados em diferentes culturas:

Cultura/ RegiĂŁo: Brasil, IndĂgena.
Tipo de carregador: Tipoia.
Posição principal: BebĂȘ na lateral do corpo do adulto, na vertical.
CaracterĂsticas: Feitos de materiais rĂșsticos, tecelagem.
Fonte: MĂŁe Nutriz, 2013

Cultura/ Região: México.
Tipo de carregador: Rebozo/Chal
Posição principal: BebĂȘ nas costas, na vertical.
CaracterĂsticas: Tecido em formato quadrado, amarrado sobre os ombros do adulto.
Fonte: Sling Babies, 2017

Cultura/ RegiĂŁo: Peru.
Tipo de carregador: Manta Posição principal: BebĂȘ nas costas, na vertical.
CaracterĂsticas: Tecido que fica sobre os ombros do adulto, como uma capa.
Fonte: Keyword Pictures, 2014

Cultura/ RegiĂŁo: Guatemala.
Tipo de carregador: Parraje
Posição principal: BebĂȘ nas costas, na vertical.
CaracterĂsticas: Semelhante ao Rebozo, tecido que fica sobre os ombros do adulto.
Fonte: Vila Mulher, 2014

Cultura/ RegiĂŁo: CanadĂĄ, Alasca
Tipo de carregador: Amautik.
Posição principal: BebĂȘ nas costas, na vertical.
CaracterĂsticas: Jaqueta grossa tipo Parka, com capuz para colocar o bebĂȘ.
Fonte: Sling Babies, 2007

Cultura/ Região: Papua, Nova Guiné.
Tipo de carregador: Bilum.
Posição principal: BebĂȘ nas costas, deitado na horizontal.
CaracterĂsticas: Ă uma espĂ©cie de sacola tipo rede com trama aberta, apoiada na testa do adulto.
Fonte: Frederic Lagrange, 2017

Cultura/ RegiĂŁo: Ăsia.
Tipo de carregador: Cestaria Posição principal: BebĂȘ dentro do cesto, nas costas, na vertical.
CaracterĂsticas: Cesto com alças.
Fonte: Bebemon, 2012

Cultura/ RegiĂŁo: Reino Unido.
Tipo de carregador: Siol Fagu.
Posição principal: BebĂȘ nas costas e na frente do adulto, na vertical.
CaracterĂsticas: Mantas grandes.
Fonte: Bebemon, 2012

Cultura/ RegiĂŁo: Ăfrica, Brasil.
Tipo de carregador: Khanga
Posição principal: BebĂȘ nas costas, na vertical.
CaracterĂsticas: Peça de tecido semelhante a uma canga amarrado ao redor do dorso do adulto.
Fonte: SMAYA, 2014

Cultura/ RegiĂŁo: Maori.
Tipo de carregador: Pikau Posição principal: BebĂȘ nas costas, na vertical.
CaracterĂsticas: Tecido grosso, como uma capa, onde o bebĂȘ Ă© colocado no alto das costas do adulto.
Fonte: Sling Babies, 2007

Cultura/ RegiĂŁo: Navajos.
Tipo de carregador: Cradleboard
Posição principal: BebĂȘ nas costas do adulto, na vertical.
CaracterĂsticas: Prancha de madeira onde os bebĂȘs sĂŁo colocados cobertos por tecidos e amarrados por cordĂ”es.
Fonte: Tribal Art Brokers, 2014

Cultura/ Região: Indonésia.
Tipo de carregador: Selendang
Posição principal: BebĂȘ na lateral do corpo do adulto, na vertical.
CaracterĂsticas: Tecido tipo lenço que passa na diagonal do corpo do adulto, apoiado em um ombro sĂł, como uma tipoia.
Fonte: Mother Needs , 2004

Cultura/ Região: Coréia.
Tipo de carregador: Podaegi
Posição principal: BebĂȘ nas costas e na frente do adulto, na vertical.
CaracterĂsticas: Carregador de alças longas transpassadas sobre o bebĂȘ, semelhante a um avental.
Fonte: Lifetime Family - Wellness Center, 2010

Cultura/ RegiĂŁo: Ăsia.
Tipo de carregador: Mei-Tai, Hmong, Bei (China), Onbuhimo (JapĂŁo).
Posição principal: BebĂȘ nas costas e na frente do adulto, na vertical.
CaracterĂsticas: Carregador semelhante a uma mochila, de alças longas que se amarram no corpo do adulto.
Fonte: Pregnancy & Baby, 2008

Cultura/ RegiĂŁo: Europa, Brasil.
Tipo de carregador: Pouch Sling.
Posição principal: BebĂȘ na lateral do corpo do adulto, na vertical ou deitado na horizontal. CaracterĂsticas: Funciona como uma tipoia, apoiada em um ombro sĂł.
Fonte: Growing your Baby, 2010

Cultura/ RegiĂŁo: EUA, Brasil.
Tipo de carregador: Ring Sling, Sling de Argolas.
Posição principal: Mais comumente utilizado na frente e na lateral do corpo do adulto, bebĂȘ na vertical ou na horizontal.
CaracterĂsticas: Semelhante a uma tipoia, passando em um ombro sĂł, com argolas que permitem ajustar o tamanho.
Fonte: Mundo das Tribos, 2012

Cultura/ RegiĂŁo: EUA, Brasil.
Tipo de carregador: Soft Structured Carrier, Mochila ErgonĂŽmica.
Posição principal: BebĂȘ na frente ou nas costas do adulto, na vertical.
CaracterĂsticas: Mochila estruturada feita em tecido resistente, com acolchoado nas alças e ajuste atravĂ©s de fivelas.
Fonte: Kiddies 24, 2013

Cultura/ RegiĂŁo: Europa, Brasil.
Tipo de carregador: Wrap Sling, Echarpe de portage.
Posição principal: Permite diversas posiçÔes, mas Ă© mais comumente utilizado com o bebĂȘ na frente ou nas costas, na vertical.
CaracterĂsticas: Tecido de aproximadamente 5 metros por 80 cm de largura, amarrado no corpo do adulto.
Fonte: Eco Parents, 2004

Cultura/ RegiĂŁo: Brasil.
Tipo de carregador: CamieSling.
Posição principal: Permite diversas posiçÔes, mas Ă© mais comumente utilizado com o bebĂȘ na frente ou nas costas, na vertical.
CaracterĂsticas: Feito de Malha de AlgodĂŁo, losango nas costas (como se fosse um top), faixas que se cruzam na frente do bebĂȘ, amarrado no corpo do adulto.
Ă possĂvel observar nas culturas apresentadas anteriormente, a prevalĂȘncia do bebĂȘ na posição vertical. A posição na frente do corpo do cuidador Ă© uma escolha comum quando se transporta o bebĂȘ nos braços ou durante a amamentação (SCHON, 2007). Carregadores de bebĂȘ onde a posição principal da criança Ă© na frente ou na lateral do corpo do adulto sĂŁo mais comuns na sociedade atual (BERNHARD e BERNHARD, 1996). Outras culturas tambĂ©m permanecem transportando o bebĂȘ nos braços, sem nenhum artefato auxiliar, deste modo Ă© mais difĂcil para o adulto realizar outra tarefa, jĂĄ que os braços tem que apoiar e estabilizar o bebĂȘ (SINGH, 2009).
Existem diversas maneiras de se transportar um bebĂȘ, diferentes Ă©pocas e culturas. A forma como os pais transportam o bebĂȘ e interagem com ele dependem da histĂłria Ășnica de cada famĂlia, composta por elementos Ăntimos, ideais e modelos (RIAND, PLARD e MORO, 2008). De acordo com Vygotsky (1930), as abordagens da atividade mediada pelos artefatos estĂŁo centradas no uso humano das ferramentas culturais. Este Ă© um fato central que transforma a relação do homem com o mundo, suas funçÔes psicolĂłgicas e condiciona o seu desenvolvimento. As ferramentas que provĂ©m da cultura sĂŁo artefatos que intermediam as açÔes e modificam a forma como o sujeito realiza a atividade. SĂŁo objetos de transformação e desenvolvimento nas comunidades, tanto na vida cotidiana quanto profissional (FOLCHER e RABARDEL, 2007).
Tais reflexĂ”es nos levam a compreender a natureza e as transformaçÔes das tarefas e atividades no uso dos artefatos, e nas relaçÔes que se estabelecem no desenvolvimento dos indivĂduos atravĂ©s dos processos de apropriação (FOLCHER e RABARDEL, 2007). De acordo com Antunes (2000), ao modificar a natureza o homem modifica a si mesmo numa relação dialĂ©tica, gerando um processo histĂłrico, que o distingue dos demais animais, que apenas se adaptam e respondem instintivamente ao meio. A existĂȘncia humana Ă© criada e recriada pela ação consciente do trabalho e possui certa autonomia com relação Ă natureza podendo projetar-se, criar alternativas e tomar decisĂ”es.
Fontes: